Facas, garfos e colheres
António Lobo Antunes
Quando me convidaram para vir aqui, eu achei curioso terem pedido a alguém que nada sabe de educação, à parte uma experiência muito breve no ano de setenta e cinco na Faculdade de Medicina, em que fui Assistente uns breves meses e desisti, porque estava cansado. Era uma época de grande efervescência, como sabem, em que todas as doenças tinham origem na luta de classes, desde a úlcera gástrica até à sífilis, portanto era um pouco difícil ensinar a pouquíssima medicina que eu sabia a pessoas que estavam mais interessadas no proletariado e portanto desisti rapidamente. Em todo o caso, julgo que a primeira vez que tomei contacto com a palavra educação foi ao ler um desses livros de que o Hemingway tinha um segredo, em que mistura ensaio com ficção, com considerações sobre literatura e com ataques aos escritores de que não gostava, e que, provavelmente, tinham mais talento do que ele. É um livro chamado Morte à Tarde, sobre o duelo entre o Dominguín e o Antonio Ordoñez, e é entremeado daqueles diálogos que eram habituais nele, em que usa um interlocutor para expor as suas ideias sobre a vida, sobre a política, sobre a literatura. Ele está a ter um diálogo com uma senhora de idade, suíça, que lhe pergunta se acredita na educação, e ele respondeu que não. Que não acreditava na educação, que apenas acreditava no conhecimento. Eu era filho dum professor e li isto com catorze, quinze anos, fiquei perplexo e pus-me a pensar: será que a educação leva ao conhecimento, será que o conhecimento leva à educação? Foi uma pergunta que me deixou perplexo e embaraçado. Qual era a diferença entre educação e conhecimento? E depois, ainda mais tarde, qual era a diferença entre ensino e educação?
É óbvio que para responder a isto apenas posso falar por mim. E aquilo que eu tinha para poder reflectir sobre isto era a minha própria vida. E daquilo que me lembrava, da minha própria vida, aquilo a que chamavam educar-me, era um sistema de interdições sucessivas. E de perguntas sem resposta. Ou seja, "senta-te direito", e depois coisas ainda mais assombrosas: "Não podes pôr os dedos na tomada da corrente". E eu começava a perguntar: Porquê? "Porque dá um choque". E o que é que acontece com o choque? "Podes morrer." E o que é a morte? E aí havia um silêncio completo.
Ou então a resposta, habitual, "quando fores crescido vais aprender". O que é facto é que cresci e continuo sem saber o que é a morte. Portanto, a educação para mim era um sistema duplo de interdições e de perguntas que não eram respondidas. E era a isto que se chamava educação.

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